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Fundos Patrimoniais (Endowments) para Organizações da sociedade civil.

  • Foto do escritor: Herickson Martins
    Herickson Martins
  • 27 de ago. de 2023
  • 8 min de leitura


Conceito, fundamentos e tipos de fundos patrimoniais


A palavra "endowment", traduzida literalmente do inglês, significa dotação, sendo comumente associada ao conceito de fundo patrimonial.


Os endowments são estruturas que recebem e administram diversos tipos de ativos, como recursos financeiros, imóveis e ações, com o propósito de preservar o valor do capital principal a longo prazo, protegendo-o contra perdas inflacionárias, e gerar retornos regulares e previsíveis. Esses retornos são direcionados para sustentar financeiramente uma causa, um propósito ou uma organização específica.


Até recentemente, o Brasil não contava com uma legislação específica que regulamentasse os Fundos Patrimoniais de organizações sem fins lucrativos. Apesar dessa situação, um número razoável de Fundos Patrimoniais foram estabelecidos por organizações brasileiras do terceiro setor, para a geração de receita própria. No entanto, considerando a magnitude da economia e da sociedade civil nacional, havia uma percepção de que o número de endowments poderia ser bem maior. A ausência de uma estrutura legal adequada era apontada como uma das possíveis razões para essa escassez.


A partir do ano de 2014, a Lei 13.019/2014, em seu artigo 2º, trouxe o conceito que é considerada Organização da Sociedade Civil, dentre outras figuras jurídicas, a "entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva" (grifo nosso).


Assim, a segurança jurídica dos Fundos Patrimoniais criados por associações e fundações sem fins lucrativos ou econômicos, passou a ser mais robusta, por meio de fundamentação legal.


Em 2018, foi publicada a Medida Provisória (MP) 851/2018, que teve como objetivo regular a criação de fundos patrimoniais filantrópicos para o fomento de instituições e causas de interesse público, como é o caso das matérias defendidas pelas Organizações da Sociedade Civil. Além disso, a MP definiu uma série de regras aplicáveis às organizações gestoras de fundos patrimoniais (autônomas), e autorizava a administração pública e organizações privadas, sem fins lucrativos, a firmar instrumentos de parceria e termos de execução de projetos com Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais.


Já em 2019, tomando como base a Medida Provisória (MP) 851/2018 mas com diversas modificações, entra em vigor a Lei 13.800/2019, que dispõe sobre “a constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público”.


Assim, cabe aqui ressaltar, que o cenário jurídico brasileiro passou a contar com duas possibilidades para a criação e manutenção dos fundos patrimoniais pelas associações e fundações privadas: fundo patrimonial interno (regulamentado no estatuto das organizações e por meio de regimento) ou externo, nos termos da Lei 13.800/2019.


a) Fundo patrimonial externo


Como o próprio nome já explicita, trata-se de um fundo patrimonial gerido por uma pessoa jurídica distinta da instituição à qual ele é vinculado, com governança própria, que tem como objetivo a aplicação exclusiva dos recursos gerados em benefício da instituição a que está vinculado, modelo com fundamento na Lei 13.800/2019, que definiu a participação de três pessoas jurídicas distintas, sendo as duas primeiras obrigatórias na estrutura proposta:


a Organização Gestora de Fundo Patrimonial (OGFP), que deve ser constituída necessariamente como uma associação ou fundação privada, com o intuito de atuar exclusivamente para um Fundo Patrimonial na captação e na gestão das doações oriundas de pessoas físicas e jurídicas e do patrimônio constituído;


a Instituição Apoiada, que pode ser uma instituição pública ou privada sem fins lucrativos, e os órgãos a ela vinculados dedicados à consecução de finalidades de interesse público e beneficiários de programas, projetos ou atividades financiadas com recursos de Fundo Patrimonial;


a Organização Executora, que pode ser uma instituição sem fins lucrativos ou uma organização internacional reconhecida e representada no País, que atue em parceria com instituições apoiadas e que seja responsável pela execução dos programas, dos projetos e de demais finalidades de interesse público.


Descrito o modelo de fundo patrimonial externo (lei 13.800/2019), convém passar-se para a avaliação de pontos fortes e desafios quanto a essa estrutura jurídica para a criação de um endowment.


Pontos fortes relacionados ao fundo patrimonial filantrópico externo (Lei 13.800/2029):


Incomunicabilidade entre organização apoiada e fundo patrimonial: uma entidade jurídica separada proporciona um nível adicional de proteção legal. Por exemplo, se a organização principal enfrentar uma ação judicial ou qualquer reivindicação legal, o fundo patrimonial estará em tese protegido, já que ele não é parte diretamente envolvida, visto que se trata de outra pessoa jurídica com outro CNPJ. Além disso, no caso de problemas financeiros da organização apoiada, como dívidas ou insolvência, o fundo patrimonial segregado também estará em tese protegido. Seu patrimônio não poderá ser usado para saldar as dívidas da organização principal.


Governança e Transparência: uma organização gestora de fundo patrimonial separada terá sua própria estrutura de governança, incluindo um Conselho de Administração independente. Isso ajuda a promover a transparência e a gestão com independência do fundo patrimonial, o que pode aumentar a confiança de doadores.


Foco na Missão: ter uma entidade organização gestora de fundo patrimonial separada para administrar o fundo permite que a organização apoiada mantenha seu foco na missão central, enquanto a gestão do fundo é realizada por uma entidade especializada que tenha como finalidade ser gestora de fundo patrimonial.


Desafios relacionados ao fundo patrimonial externo (Lei 13.800/2029):


Complexidade: a lei 13.800/2019 exige que as organizações gestoras de fundos patrimoniais tenham pelo menos dois órgãos de governança: o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal, sendo recomendado também um Comitê de Investimentos. Embora esses órgãos sejam importantes para garantir a transparência e a boa governança, sua implementação pode ser complexa e onerosa para organizações apoiadas menores ou recém-criadas, que já precisam destinar atenção aos seus próprios órgãos de governança.


Custo: Manter um sistema de governança robusto pode ser caro. Manter dois sistemas de governança eficientes é quase uma arte. Há custos associados à contratação de profissionais qualificados, realização de auditorias, conformidade com as regulamentações, entre outros. Para organizações com recursos limitados, esses custos podem ser proibitivos.


Flexibilidade: Alguns críticos argumentam que a lei é muito prescritiva, limitando a flexibilidade das organizações gestoras de fundos patrimoniais para adaptar seus sistemas de governança às suas necessidades e circunstâncias específicas.


Imunidade tributária: No Brasil, algumas organizações sem fins lucrativos possuem imunidade, principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social. Segundo a Secretaria da Receita Federal do Brasil, as organizações gestoras de fundos patrimoniais, mesmo se as entidades apoiadas atuarem nas áreas que possibilitam imunidade, não aproveitam essa limitação de competência do Estado em tributá-las.


Incentivos Fiscais para Doações: outro desafio é a falta de incentivos fiscais para as doações aos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Embora a lei mencione a possibilidade de incentivos, ela menciona claramente o incentivo às atividades culturais e mais nenhum outro, deixando uma lacuna que pode desencorajar potenciais doadores.


b) Fundo patrimonial interno


Antes da entrada em vigor da Lei 13.800/2019, como já foi aqui mencionado, que diversas organizações sem fins lucrativos ou econômicos já estabeleciam fundos patrimoniais como estratégia de captação de recursos para a manutenção de sua sustentabilidade econômica e perenidade na atuação em prol de causas de interesse público.


Nesse caso, quando o fundo patrimonial é criado independentemente da aplicação da Lei 13.800/2019, chamamos o fundo patrimonial de fundo interno ou de sustentabilidade. Tal nome é utilizado, pois tal modelo jurídico não é composto pela atuação de duas pessoas jurídicas ou até três, mas apenas por uma associação ou fundação privada, sem fins lucrativos, com sistema de governança próprio e regras estabelecidas quanto ao funcionamento do fundo patrimonial em seu próprio estatuto, complementadas por um regimento interno específico. Além dos órgãos de governança que naturalmente podem ser instituídos para dirigir e fiscalizar a organização - como Assembleia Geral, Conselho Fiscal, Conselho Curador, Diretoria -, recomenda-se também a criação de um Comitê Financeiro com foco a dar segurança, legitimidade e credibilidade ao fundo patrimonial.


Nesse caso, a associação ou fundação pode estabelecer o fundo patrimonial por meio de seu estatuto, que é o documento jurídico principal da organização. O estatuto deve detalhar como o fundo será criado, gerenciado e usado, e esses detalhes devem estar em conformidade com as leis aplicáveis. A organização também pode criar um regimento interno específico para o fundo patrimonial. Este documento pode fornecer regras mais específicas sobre a gestão e uso do fundo.


Pontos fortes relacionados ao fundo patrimonial interno:


Simplicidade e Controle Direto: Um fundo patrimonial interno está diretamente sob o controle da organização sem fins lucrativos. Isso pode simplificar a gestão e o controle do fundo, já que não há a necessidade de lidar com a governança e a administração de uma entidade separada.


Economia de Recursos: Ter um fundo patrimonial interno pode ser menos custoso, pois evita a criação e manutenção de uma entidade jurídica separada. Isso pode ser particularmente útil para organizações menores ou aquelas com recursos limitados.


Flexibilidade: A regulamentação do fundo patrimonial no estatuto e em um regimento interno da própria organização permite maior flexibilidade para a organização adaptar as regras do fundo à suas necessidades específicas.


Facilidade de Implementação: A criação de um fundo patrimonial interno não requer a complexidade da implementação da Lei 13.800/2019, facilitando o processo de criação e gestão do fundo.


Foco na Missão da Organização: Ao ter o fundo patrimonial como parte integrante da organização, o foco do fundo estará diretamente alinhado com a missão da organização, sem necessidade de mediação por uma entidade externa.


Desafios relacionados ao fundo patrimonial interno:


Possíveis Riscos: em contraste com a segregação proporcionada pela Lei 13.800, um fundo patrimonial interno poderá se expor a riscos financeiros e legais enfrentados por toda a organização que o regulamenta. Em outras palavras, se a organização atravessar questionamentos jurídicos ou enfrentar dificuldades financeiras, os ativos do fundo patrimonial interno podem ser afetados, caso medidas de governança adequada não sejam tomadas para a prevenção de tais riscos.


Transparência: uma organização gestora de fundo patrimonial separada da organização apoiada pode proporcionar uma maior transparência e uma impressão de independência na gestão pelo doador, o que pode aumentar sua confiança. Com um fundo interno, pode ser mais difícil demonstrar essa independência, sendo necessário criar formas eficientes e claras de prestação de contas para públicos de interesse.


Atenção à Governança: ainda que a criação de um fundo interno possa ser menos complexa, a gestão desses fundos pode trazer desafios de governança. A organização precisará criar e manter estruturas de supervisão eficazes como Comitê de Investimento, atribuições do conselho fiscal, entre outras, para garantir que os fundos sejam administrados de forma adequada e transparente.


Incentivos fiscais, imunidades e isenções: imunidade tributária, isenções e incentivos fiscais aproveitados pela organização que mantém o fundo patrimonial regulamentado pelo seu próprio estatuto e regimento, também são aproveitados pelo fundo patrimonial interno, pois faz parte da mesma pessoa jurídica, com o mesmo CNPJ.



Conclusão


A evolução da legislação brasileira relacionada aos fundos patrimoniais oferece hoje um panorama mais claro e estruturado para organizações da sociedade civil que buscam estabilidade e sustentabilidade financeira a longo prazo. Com opções de fundos externos e internos, as organizações têm a liberdade de escolher a estrutura que melhor se adapta às suas necessidades, capacidades e missões. Por um lado, os fundos externos trazem robustez jurídica, segregação de riscos e potencialmente uma maior confiança por parte dos doadores, enquanto os fundos internos oferecem simplicidade, controle direto e flexibilidade na gestão. Em qualquer cenário, a decisão pela adoção de um modelo em detrimento do outro deve ser cuidadosamente ponderada, avaliando todos os prós e contras e, sobretudo, considerando a missão e a visão de longo prazo da organização. Em última análise, o compromisso com a transparência, boa governança e gestão eficaz dos recursos será sempre fundamental para conquistar e manter a confiança dos stakeholders envolvidos.


Danilo Brandani Tiisel é advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-SP, atua como consultor jurídico e em desenvolvimento institucional É autor da publicação da OAB-SP “Aspectos Jurídicos da Captação de Recursos para o Terceiro Setor” professor dos cursos da Escola Superior de Advocacia da OAB, FIA Business School, da Rede Filantropia, diretor da Brandani Tiisel Advogados e da Social Profit Consultoria.

 
 
 

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